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Com usinas previstas e não construídas, oferta de energia subiria 10%

O risco de racionamento acentuado neste ano não é explicado apenas por fatores climáticos.

Valor 23/01/15

Rodrigo Polito e Camila Maia

O risco de racionamento acentuado neste ano não é explicado apenas por fatores climáticos. A situação crítica evidencia falhas na execução do planejamento energético do governo federal, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. Análise com base no primeiro Plano Decenal de Energia (PDE 2006-2015) elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada no governo Lula para retomar o planejamento do setor, indica que pelo menos 33 hidrelétricas previstas para entrar em operação até este ano não saíram do papel ou tiveram o cronograma postergado.

Conforme antecipado ontem pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, os 33 empreendimentos que poderiam estar contribuindo para a oferta de energia no país somam 11.855 megawatts (MW) de capacidade instalada. O volume equivale a quase 10% da capacidade do parque gerador brasileiro e supera a potência da hidrelétrica de Belo Monte, de 11.233 MW, principal obra de geração do país e que será a segunda maior usina em operação no Brasil, atrás apenas de Itaipu Binacional, de 14 mil MW.



Localizada no rio Xingu (PA), Belo Monte constava no primeiro plano decenal de energia do governo Lula. No documento, estava previsto que a usina teria uma capacidade de 5,5 mil MW já disponível em dezembro de 2013. A usina, porém, foi licitada apenas em 2010. E, conforme antecipado pelo Valor, o projeto está novamente atrasado, de acordo com relatório de fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Além de Belo Monte, outras duas usinas da lista, Baixo Iguaçu (PR, 350 MW) e São Roque (SC, 135 MW), foram licitadas e estão em construção. A primeira tem situação mais delicada, pois as obras estão interrompidas por questões ambientais. Já São Roque está em implantação e deve entrar em operação em 2016.

Outros dois empreendimentos ainda não licitados, Telêmaco Borba (PR, 120 MW) e Itapiranga (RS/SC, 580 MW), figuram na última versão do plano decenal de energia (2014-2023), com previsão de entrada em operação em 2019 e 2021, respectivamente. Os outros 28 projetos da lista não estão incluídos no último plano.

Entre esses projetos estão as hidrelétricas do complexo do Parnaíba (PI/MA), que chegaram a ser licitados por duas vezes em leilões da Aneel, mas não atraíram o interesse do investidor, devido à baixa taxa de remuneração proposta pelo governo.
Segundo especialistas, os principais motivos para a maioria das hidrelétricas previstas no plano não ter saído do papel ou ter o cronograma alterado são entraves ambientais e jurídicos.

"Temos visto muitas restrições, são poucos projetos [ofertados nos leilões], que não têm capacidade de armazenamento, as chamadas usinas a 'fio d'água', e isso tudo dificulta o atendimento do crescimento da demanda", diz Priscila Lino, diretora da consultoria PSR.

Outro problema, segundo Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, voltado para estudos do setor elétrico, é que a EPE dedica muitos esforços à viabilização de hidrelétricas de grande porte, mais complexas do ponto de vista ambiental, e prejudica o andamento de inúmeros projetos de médio porte, que ficam praticamente paralisados.

Segundo um executivo de uma empresa do setor, o governo demora a reconhecer problemas nos projetos incluídos nos planos. "Faltando um mês para as térmicas do grupo Bertin entrarem em operação, muitas das usinas do grupo não tinham feito nem terraplanagem. E o governo ainda contava com elas", disse. Ele lembrou ainda o caso do sistema de conexão da Chesf com eólicas do Nordeste, que demorou a ficar pronto e impediu que a energia de parques já concluídos pela Renova Energia fosse entregue ao sistema.

Parte da oferta não atendida por hidrelétricas previstas no PDE 2006-2015 foi preenchida por outras fontes, como eólicas e termelétricas. Mas a lacuna não foi inteiramente ocupada. Hoje, a capacidade de todas as eólicas em operação no país soma cerca de 5 mil MW, segundo a Aneel. E, mesmo assim, o fator de capacidade (percentual de energia de fato produzida) das eólicas é inferior ao das hídricas.

Entre as termelétricas, a principal contribuição veio das usinas a gás natural e carvão da Eneva, antiga MPX, controlada pelo empresário Eike Batista e a alemã E.On, totalizando cerca de 2,4 mil MW.

O PDE 2006-2015, porém, também teve projetos termelétricos previstos e não concluídos. O principal deles é a usina nuclear de Angra 3, de 1.405 MW, prevista no plano para iniciar a operação em 2012. A estimativa atual, de acordo com o último plano decenal, é meados de 2018. Outra térmica incluída no primeiro plano do governo Lula, Jacuí (RS, 350 MW), a carvão, estava prevista para 2008, mas até hoje não saiu do papel.

Segundo Priscila Lino, não é possível mensurar qual fator, entre hidrologia ruim e atrasos nos projetos, tem "mais culpa" em relação ao cenário crítico atual. "A situação hidrológica é um fator, mas sozinha não deveria estar causando o que vemos hoje", afirmou ela.

De acordo com dados do Ministério de Minas e Energia, em 2014, foram adicionados ao sistema 1 mil MW a mais do que os 6 mil MW previstos inicialmente.

Priscila, porém, diz que é preciso separar o que de fato estava previsto para 2014 e quanto que entrou no sistema se referia a projetos atrasados e que deveriam ter entrado nos anos anteriores.

"O volume em atrasos é enorme e isso já observamos em 2013 e em 2014. Qual o recado disso? Que não adianta entrar um volume grande de capacidade, se esse volume se refere a obras que já deveriam ter entrado no passado. Precisamos ver o que está entrando para atender ao crescimento da demanda", diz ela.

Procurado, o Grupo Bertin informou que obteve na Aneel uma revisão do compromisso de geração e a consequente redução das obrigações. "Esse novo planejamento de entrega está em discussão junto à agência reguladora desde dezembro de 2012", afirmou, em nota. O grupo acrescentou ainda que, diante da grave crise hidrológica, pode contribuir com cerca de 1 mil MW, "dado que seus projetos podem ser concluídos entre 10 e 18 meses".

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) prevê o acréscimo de 6.410 MW de capacidade ao sistema em 2015.




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