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Licenciamento ambiental: o equilíbrio no fio da navalha

O presidente do Fmase, Ênio Fonseca, admite que diante das mudanças propostas pelo MMA é difícil prever o que vai acontecer com a nova lei. Ele lembra que o projeto do ministro é muito diferente do substitutivo do deputado Mauro Pereira que ainda será votado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e que destoa do texto aprovado na Comissão de Meio Ambiente.

Canal Energia 03/03/2017

Sueli Montenegro - Reportagem Especial

A polarização comum às discussões sobre o processo de licenciamento ambiental torna ainda maior o desafio de buscar o equilíbrio nas regras que disciplinam a liberação de grandes obras de infraestrutura e a exploração de atividades econômicas de um modo geral no 
país. As tentativas de obter consenso em relação às propostas de simplificação de regras que tramitam no Congresso Nacional mostram a complexidade do tema, e um texto alternativo em discussão no Ministério do Meio Ambiente contribuiu para alimentar ainda mais as    desconfianças dentro do próprio governo e dos segmentos econômicos envolvidos nas negociações.

A discussão atual gira em torno da proposta da Câmara que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental o  PL 3729, de 2004. O projeto, ao qual foram juntadas outras 16 propostas de lei em tramitação na casa, estabelece critérios de enquadramento dos empreendimentos de acordo com a natureza, porte e potencial poluidor. Ele define o  processo tradicional composto por três fases e três licenças – a Prévia, a de Instalação e a de Operação , o simplificado e a dispensa de licenciamento para determinadas atividades. O projeto estabelece regras gerais que garantem a autonomia dos estados para legislar sobre o tema, e define prazo para que os agentes públicos emitam as licenças ambientais. A proposta passou pelas comissões de Agricultura e de Meio Ambiente, e está agora na Comissão de Finanças e Tributação, onde tem como relator o deputado Mauro Pereira (PMDBRS).

A votação pode ocorrer
ainda este mês na comissão, mas já existe um pedido de urgência para votação no plenário da Câmara. O relatório de Pereira é visto com desconfiança pelo Ministério Público e por  organizações ambientalistas e da sociedade civil. O parlamentar admite ter usado como base de seu substitutivo o texto com as propostas aprovadas na Comissão de Agricultura. Ele cita dados do Banco Mundial mostrando que o custo das compensações ambientais e sociais  representam 12% do valor das obras de hidrelétricas. Usa também como fonte o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, segundo o qual o licenciamento de grandes usinas leva, em média, dez anos.

“Diversos exemplos têm demonstrado que o processo de licenciamento ambiental tem se  tornado o desaguadouro de demandas sociais históricas, fruto da ausência de investimentos do poder público, que extrapolam a abrangência dos reais impactos dos empreendimentos”, justifica o parlamentar. A afirmação é rebatida pelo Ministério Público, que atribui aos próprios empreendimentos a responsabilidade pelo aumento da demanda por serviços públicos, a partir do aumento populacional no entorno dos projetos.

O presidente do Fmase, Ênio Fonseca, admite que diante das mudanças propostas pelo MMA é difícil prever o que vai acontecer com a nova lei. Ele lembra que o projeto do ministro é muito diferente do substitutivo do deputado Mauro Pereira que ainda será votado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e que destoa do texto aprovado na Comissão de Meio  Ambiente. “A gente acredita muito no projeto do deputado, porque ele foi discutido com todos os setores envolvidos”, justifica Fonseca. Na avaliação do dirigente do Fórum, o projeto do licenciamento ambiental tem um desenho complicado. O executivo lembra que a proposta do ministro Sarney Filho enfrenta resistência dentro do próprio governo, e acredita que há “um risco enorme” de que a matéria enfrente um debate ainda maior.

Excoordenador
do Fmase, o consultor da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia, Marcelo Moraes, afirma que a discussão em torno da lei do licenciamento tem dois polos: o Ministério do Meio Ambiente de um lado e “o resto do mundo” do outro lado, representado pelo setor industrial, a Frente Parlamentar da Agricultura e os ministérios de Minas e Energia e dos Transportes.

“Hoje as divergências são pequenas e restritas a poucos artigos. Mas o ministério insiste em fazer um mapa, e esse mapa tem as áreas prioritárias para preservação ambiental. A gente entende que, uma vez feito esse mapa, essas áreas passam a perder qualquer viabilidade de exploração econômica”, afirma Moraes. Embora o MMA sustente que a ideia é dar uma referência para que as secretarias estaduais de meio ambiente saibam onde estão as prioridades, há forte resistência dos setores participantes da discussão.

A alegação é que em nenhum momento ficou claro como o sistema vai funcionar na prática. "O ministério apresentou mais ou menos como funcionaria o mapa, essas fórmulas matemáticas etc, mas não pegou nenhuma região até hoje para falar assim : ‘por exemplo,  vamos ver o mapa da região CentroOeste, como ficaria'." Para o representante da Abiape, a proposta "é um cheque em branco ao MMA que, infelizmente, não temos condição de dar,  porque o momento não permite. O que a gente precisa hoje é destravar, não assinar um cheque em branco, e esse cheque pode virar uma conta que depois fica impagável para o setor." Os agentes do setor elétrico vêem o substitutivo de Pereira como o mais equilibrado do
ponto de vista do desenvolvimento sustentável, revela Moraes.

O consultor relata que há uma pressão muito grande, tanto do Congresso quanto do Palácio do Planalto, para que o projeto do  deputado seja votado na Câmara. Não é à toa, acrescenta, que o Ministério do Meio Ambiente tem procurado conversar com os  agentes. "Eu acho que esse mês de março é fundamental para se chegar a uma definição. Se não chegar, em abril essa matéria vai  para o Congresso, onde vai ser testada um força contra a outra", prevê Moraes, para quem o MMA está na posição mais frágil na  disputa.

Responsável pelo maior órgão licenciador do país, a presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Suely Araújo, considera a aprovação de  diretrizes para o licenciamento necessária. "Essa lei geral não existe. O licenciamento é previsto no Artigo 10 da Politica Nacional do Meio Ambiente, que é uma lei de 1981, e o restante é um conjunto grande de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – mais de 50 resoluções – e legislação estadual. Então, há necessidade de aprovar um mínimo de normas nacionais, gerais, que tentem harmonizar tudo isso. Polêmica ou não, é uma lei necessária”, afirma.

Uma das vozes mais criticas às propostas de simplificação do licenciamento ambiental em tramitação no Congresso Nacional é o Ministério Público. Em dezembro do ano passado, procuradores da República criticaram o substitutivo do deputado Mauro Pereira, classificado como “um enorme retrocesso” nos direitos das populações atingidas por grandes obras.

O MPF chegou a participar das discussões iniciais sobre a lei do licenciamento no segundo semestre de 2016, mas alega que depois disso não houve nenhum novo convite para que representantes da instituição participassem dos debates sobre as novas regras. “Apresentamos propostas, mas não tivemos mais nenhum retorno, nem do governo, nem do MMA”, destaca o procurador Daniel Azeredo, que ocupa o cargo de secretário executivo da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, do MPF.

Azeredo argumenta que o licenciamento no Brasil apresenta historicamente fragilidades que deveriam ser fortalecidas e aperfeiçoadas, mas o que se vê nas últimas propostas presentadas formalmente no Congresso é a tendência inversa de fragilizar as regras para dar
maior rapidez à aprovação de novos empreendimentos, sem se aprofundar nas necessidades da população e do entorno da obra. “O principal exemplo que nós podemos citar hoje é  Mariana, o acidente da barragem [da mineradora Samarco]. Se nós tivéssemos um licenciamento um pouco mais adequado tecnicamente, talvez não tivesse ocorrido o desastre e a perda de vidas humanas na região.”

Para o procurador, nenhum dos textos apresentados “tem a mínima viabilidade constitucional”, além de aumentar os riscos. Nas obras espalhadas pelo país, aponta Azeredo, é possível identificar o desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana de várias maneiras. Ele cita o exemplo da hidrelétrica de Belo Monte e diz que a única saída para evitar os constantes questionamentos judiciais é um licenciamento bem feito, que use parâmetros já adotados em outros países do mundo. “É possível fazer um licenciamento  correto. Cada vez que você fragiliza a norma e, com isso, aumenta o número de pessoas impactadas com os danos causados, a tendência é uma maior judicialização dessas questões.”

Entre representantes de organizações ambientalistas, a avaliação é de que o cenário futuro do licenciamento no país, resultante da discussão, é incerto. O advogado do Instituto  socioambiental, Mauricio Guetta, lembra que todas as propostas em tramitação no legislativo – seja a da Proposta de Emenda Constitucional 65, o projeto de lei do Senado 1654, do senador Romero Jucá (PMDBRR), ou os projetos da Câmara – têm como objetivo tornar mais flexíveis as regras do licenciamento e as exigências em relação às populações atingidas pelos empreendimentos. “Isso me parece que é algo ruim para todas as partes, porque um dos grandes problemas do licenciamento hoje é o nível de judicialização, que gera insegurança jurídica para todos os lados. Tanto para os atingidos quanto para o próprio empreendedor.”

“Os impactos de atividades humanas são, ou deveriam ser, resolvidos no âmbito do licenciamento. Prevenidos, mitigados ou compensados. Se o licenciamento passar a resolver menos conflitos, esses conflitos fatalmente irão se afunilar no Judiciário”, prevê Guetta. O advogado reconhece, no entanto, a necessidade de aprovar uma legislação mais clara em relação a esse tema. Para o representante do ISA, as perspectivas do momento, em uma análise mais pragmática, são bastante negativas, justamente porque as propostas que têm sido colocadas em debate agradam apenas os setores interessados na instalação de empreendimentos. “Acho que deveria haver um equilíbrio nesse debate, nas posições, para que as partes possam sentar e convergir nessa matéria.”

O coordenador de Políticas Publicas do Greenpeace, Marcio Astrini, lembra que discussão é antiga, e, mesmo antes do novo governo assumir, havia uma iniciativa da então ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira para a revisão de resoluções do Conama que tratam também de licenciamento. Ele destaca outras iniciativas do Congresso, como o PLS de Romero Jucá, para concluir que este não é um tema simples.

“O ministro [Sarney Filho] está em cima dessa pauta desde o dia em que ele assumiu em junho ou agosto do ano passado. Então você imagina só: são mais de seis meses tentando um acordo no texto para encaminhar pela Casa Civil, e parece que eles não
conseguem fechar o texto. Então, fica até complicado fazer uma análise em cima de conteúdo, porque são muitos conteúdos, e tem esse suspense de qual vai ser a versão final”, diz Astrini.

Para o ambientalista, a última versão do substitutivo apresentada por Pereira é preocupante do ponto de vista ambiental. O Greenpeace considera a versão aprovada na Comissão de Meio Ambiente da Câmara mais confortável que a proposta de substitutivo atual. “É um texto que pode ficar poluído exatamente por conta dos interesses do agronegócio. O processo de licenciamento não atinge só o agronegócio, mas outros grandes setores, principalmente a indústria, que está combalida por conta da crise financeira.”

Astrini critica especialmente a autonomia dada aos estados para definir em quais categorias cada empreendimento será enquadrado, sem um regramento nacional que dê as diretrizes para que isso seja feito. “Basicamente, é como uma guerra fiscal, pelo lado ambiental, e sempre com o viés negativo, que é para ver quem é mais permissivo, quem libera mais a questão ambiental”, compara.

Ele também critica a redução do papel de órgãos como o Iphan (patrimônio histórico) e Funai (povos indígenas), assim como a retirada da participação popular do processo.

O coordenador do Greenpeace admite que atualizações precisam ser feitas na legislação. Não é plausível, pondera, que uma hidrelétrica, a construção de uma estrada e uma usina nuclear tenham o mesmo processo de licenciamento que a construção de um prédio residencial. Outra crítica é quanto aos prazos estabelecidos para os órgãos intervenientes do processo de licenciamento, sem dar uma estrutura adequada para que eles tenham condições de funcionar.

Um exemplo de como o processo de licenciamento é considerado na avaliação dos investimentos das empresas do setor elétrico foi dado na semana passada pelo CEO da EDP Brasil, Miguel Setas. “Colocamos esse tema como um dos pontos importantes para  destravar ainda mais a capacidade que teremos de investimentos em infraestrutura com menos gargalos. Esse ponto é dos que  introduzem mais risco nos calendários dos projetos”, afirmou em entrevista. Setas defendeu a instalação do balcão único para os licenciamentos, formado por profissionais dos vários órgãos envolvidos, como solução ideal para os atrasos nos processos de implantação de empreendimentos do setor elétrico. O mecanismo serviria, segundo ele, para dar maior celeridade aos processos que tramitam nos órgãos ambientais.

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