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Fim de proteção florestal pode produzir emissão igual à de todo o setor industrial

Nota técnica divulgada ontem indica que Jamanxim poderá perder, até 2030, perto de 280 mil hectares de floresta, o que significará uma emissão de 140 milhões de toneladas de CO2. Isso equivale à emissão de gases-estufa de todo o setor industrial brasileiro durante um ano e meio.

Valor Econômico - 25/05/2017

Por Daniela Chiaretti | De São Paulo

A Floresta Nacional (Flona) do Jamaxim, no Pará, principal unidade de conservação afetada pelas medidas provisórias que foram votadas no Congresso, perderá 486 mil hectares com a decisão. Uma nota técnica divulgada ontem indica que Jamanxim poderá perder, até 2030, perto de 280 mil hectares de floresta, o que significará uma emissão de 140 milhões de toneladas de CO2. Isso equivale à emissão de gases-estufa de todo o setor industrial brasileiro durante um ano e meio.

Os cálculos foram feitos por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) considerando um modelo de cenários futuros de desmatamento elaborado em conjunto com cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG.

Os cenários levam em conta proximidade de infraestrutura como estradas e ocupação urbana, entre outras variantes, e estima quanto de floresta pode ser desmatada diante dessas forças.

O estudo lembra que "a desafetação dessa área é uma concessão à ocupação irregular" da floresta nacional e faz referência a dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo o órgão, 67% dos ocupantes da Flona entraram na área pouco antes ou logo depois a UC ser criada, em 2006. "Cortar esse pedaço da Flona para comportá-los é legitimar a ilegalidade ou, melhor dizendo, a grilagem", diz a nota.

A justificativa para a existência das MPs era corrigir a situação de famílias que já viviam ali quando a UC foi criada. Os ambientalistas concordam com a correção do problema, mas denunciam que as MPs não tratam disso, mas seriam uma manobra para dar cobertura à grilagem, mineração e exploração madeireira irregular.

Entre 2004 e 2016, por conta da ocupação irregular, Jamanxim perdeu 117 mil hectares de floresta - e emitiu 70 milhões de toneladas de CO2. "Este panorama de destruição se agravará ainda mais com as MPs aprovadas", diz a nota do Ipam que teria sido enviada ao ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho se o dia não tivesse sido turbulento em Brasília.

"Um território protegido na Amazônia é um patrimônio do país", lembra André Guimarães, diretor-executivo do Ipam. "Se hoje 56% da Amazônia está protegida é porque esta foi uma luta de décadas e que envolveu muitas pessoas. É uma conquista da sociedade."

Lembra que florestas asseguram qualidade de vida, regime de chuvas, controle climático. A falta delas provoca impactos econômicos. "Quando se começa com um processo de desmobilização de áreas protegidas nesta escala, que equivale a um Distrito Federal e meio, tenho medo do precedente para que outras áreas protegidas sejam desmobilizadas". Segue: "Este é o primeiro banco da praça sendo depredado, há o risco de mais 500 seguirem o mesmo destino. A sociedade tem que se indignar agora. Não podemos deixar isso acontecer e nem tomar proporção."

No Senado, na terça-feira, as duas MPs foram ratificadas "com aplausos de lobistas do setor agropecuário da região que estavam no plenário a convite do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA)", diz nota enviada à imprensa pelo WWF. Poucos senadores se colocaram contrários às medidas. João Capiberibe (PSB-AP) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) tentaram obstruir a votação e pedir verificação de quórum, mas as duas MPs foram votadas rapidamente. O PT retirou os destaques no último instante.

O texto das duas MPs aprovadas no Congresso segue agora para sanção ou veto do Presidente da República. Sarney Filho voltou a recomendar o veto às MPs ao presidente Michel Temer. "Veto aos contrabandos que desvirtuaram e extrapolaram" as medidas inicialmente propostas pelo Executivo e desfiguradas no Congresso. "A área onde se localiza Jamanxim tem sido palco de frequentes conflitos fundiários, de atividades ilegais de extração de madeira e minérios, associadas à grilagem de terra e à ausência de regramento ambiental, com reflexos na escalada da criminalidade e da violência contra agentes públicos", diz nota do Ministério. "O texto aprovado prejudica a implantação das políticas de governo adequadas para enfrentar essas questões.

http://www.valor.com.br/brasil/4980196/fim-de-protecao-florestal-pode-produzir-emissao-igual-de-todo-o-setor-industrial

Um retrocesso em toda a linha na agenda ambiental

O Senado acompanhou a Câmara dos Deputados e aprovou ontem duas medidas provisórias que amputam em quase meio milhão de hectares a área de conservação ambiental da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, ou 37% de sua área. Antes de o governo Temer entrar em extrema-unção, com a divulgação da delação de Joesley Batista, dono da J&F, já passara pelos deputados as MPs 756 e 758, que também diminuiu em 101 mil hectares o Parque Nacional Jamanxim e em 10,4 mil hectares, ou 20%, o Parque Nacional de São Joaquim (SC). O Congresso aprovou projetos legalizando grilagem de terras e ampliando o desmatamento da Amazônia, que voltou a crescer na mesma progressão dos escândalos políticos (com Dilma Rousseff e Michel Temer) e das safras recordes.

Os congressistas apenas ratificaram a obra de devastação em curso - a floresta do Jamanxim já exibia o título de área de conservação mais desmatada da região, depois de perder 12% de sua cobertura vegetal. A falência da fiscalização permitiu o avanço da grilagem e da destruição ambiental, depois regularizada pelo Legislativo, que consolidou uma situação de fato. A floresta, pela MP, foi rebaixada na hierarquia da preservação, a Área de Proteção Ambiental, na qual são permitidas a mineração e a pecuária.

O sinal que os interessados na especulação com terras teriam permissão para perseguir seus objetivos veio em dezembro, quando o presidente enviou as MPs ao Congresso, com o intuito, entre outros, de ampliar o espaço ao lado da Ferrovia do Grão. O escoamento de safras pelo norte do país se justifica, mas é possível fazê-lo com mínimos danos às florestas, desde que haja empenho nisso. Até mesmo alguns empresários interessados na ferrovia, no entanto, estranharam com o tamanho das áreas afinal contempladas pelas MPs, nas quais é fácil detectar o dedo de interesses particulares.

O desmatamento da Amazônia voltou a crescer recentemente - 60% de aumento nos últimos dois anos, já incluindo, portanto, o desprezo ativo da gestão de Temer pelo assunto. Para aprovar reformas necessárias, como a da Previdência, o governo aceitou demandas descabidas da bancada ruralista e de seu entorno. Essas demandas não se esgotam na defesa dos interesses da grilagem no Pará. Um de seus objetivos, já encaminhados ao Congresso, é conseguir domar o licenciamento ambiental.

A incrível ausência de uma lei de licenciamento é menos surpreendente se for considerada a influência dos proprietários de terra na política local e nacional. O vácuo legal está sendo preenchido a seu favor aos poucos. Um dos projetos para mudar o licenciamento aceita ritos sumários para a aprovação de exploração da agricultura extensiva, dragagem de portos, obras de saneamento, pavimentação de estradas na Amazônia, além de retirar boa parte da atribuição do Ibama e delegá-la a Estados e municípios, onde a força dos lobbies rurais é mais intensa e menos visível.

Há outros males por vir. Ao autorizar a exploração de recursos minerais na floresta do Jamanxim, abre-se precedente para permissão dessas atividades nas demais florestas nacionais. Segundo a organização WWF-Brasil, estão no Legislativo projetos que põem em risco 80 mil km2 de áreas de conservação. Sob os auspícios da bancada ruralista, mas não só dela, há uma grande ofensiva contra as precárias normas ambientais e sistemas de controle quando, pelos compromissos assumidos pelo Brasil em Paris, o contrário deveria estar ocorrendo. "O Brasil foi o único país no mundo a acelerar as emissões em 2015 e 2016", diz Carlos Rittl, do Observatório do Clima.

As chances de deter o retrocesso na área agrícola - contraponto nefasto à aura de modernidade competitiva no mercado externo - são pequenas. O presidente Temer deveria vetar esses ataques, mas destruiria o cerne das MPs, que surgiram do próprio governo. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, favorável às mudanças, teve bens penhorados, junto com sócios, por desmatamento irregular no Parque Estadual Serra Ricardo Franco, no Mato Grosso. A Assembleia Legislativa estadual aprovou em abril, em primeira votação, projeto que extingue o parque. Além disso, a PGR abriu inquérito contra Padilha por construir canal de drenagem em área de preservação ambiental, em Palmares do Sul (RS). A agenda ambiental, a partir da Casa Civil, por onde tudo passa, retrocede. Para impedir o avanço do atraso agora, só a pressão da sociedade é poderosa.








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