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Estados do Nordeste querem taxa sobre o sol e o vento

Senador Marcelo Castro (MDB-PI) pretende incluir na reforma tributária emenda para permitir a cobrança de royalties sobre as energias solar e eólica

Estadão - 21/10/2019
Por Anne Warth


Enfrentando dificuldades financeiras, os Estados da Região Nordeste querem taxar o sol e o vento para reforçarem seus caixas. A ideia, defendida pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), é aproveitar as discussões sobre reforma tributária no Congresso para criar a possibilidade de cobrança de royalties sobre a energia solar e a eólica .

O texto proposto por Castro é simples: inclui, na Constituição, como “bens da União”, os “potenciais de energia eólica e solar” e permite a possibilidade de cobrança de participação ou compensação financeira na exploração desses recursos. A definição da alíquota dos royalties seria feita por meio de lei, que exige maioria simples na Câmara e no Senado, bem como os critérios de divisão desses recursos entre União, Estados e municípios.

Para o senador, não há diferença entre essa proposta e os royalties cobrados sobre petróleo, minérios e cursos de água com potencial de geração de energia. O que diverge, segundo ele, é o fato de que as energias solar e eólica ainda não eram viáveis em 1988, quando a Constituição foi feita. Segundo Castro, o royalty é compensação aos Estados produtores, já que o ICMS (imposto estadual) é cobrado no Estado para onde a energia vai, e não naquele em que ela foi gerada.

“O vento não é propriamente uma jazida, mas tem em alguns lugares e em outros não. A minha emenda tenta fazer com que os Estados com potencial de vento e sol tenham algum benefício, já que hoje eles não têm nenhum”, disse.

Proposta controversa

Mas a cobrança de royalties sobre sol e vento é controversa. A taxa tem como origem uma solução econômica para resolver conflitos de direito de propriedade. No Brasil, a Constituição definiu que a posse de petróleo, gás natural, minérios e da água utilizada para geração de energia é da União. O pagamento de royalties, nesses casos, seria uma compensação pela cessão desse direito de propriedade a terceiros.

No caso de petróleo, gás e minérios, trata-se de recursos finitos, e o fim da exploração tende a inviabilizar a economia das regiões atingidas. Para hidrelétricas, quase sempre há impactos irreversíveis nas áreas alagadas e que inviabilizam outras atividades - nesse caso, a cobrança se dá sobre a geração de energia, e não sobre a água em si. Em todos os casos, o royalty funciona como uma compensação às localidades atingidas.

Para especialistas, não há como comparar essas situações com a geração de energia solar e eólica. Vento e sol são recursos infinitos e sua exploração não inviabiliza outras atividades econômicas. Além disso, não há conflito de propriedade, pois outras pessoas podem utilizar, ao mesmo tempo, os recursos para outras finalidades - entre elas, aquecer água para chuveiros e mover moinhos de trigo, por exemplo.

O secretário estadual de Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, afirma, porém, que algum tipo de compensação - seja royalty ou imposto - aos Estados produtores é necessária. Segundo ele, os governos vivem dificuldades financeiras pela transição rápida em direção a uma matriz limpa e pela desoneração de bens de capital usados na produção de energia, como baterias e turbinas de eólicas. Segundo ele, esses fatores têm reduzido a arrecadação derivada da energia, um dos setores que mais reforçam os cofres estaduais.

“Queremos continuar estimulando as fontes renováveis, mas com cautela, pois os Estados precisam sobreviver também”, afirma. Padilha convocou todos os secretários de Fazenda nordestinos para uma reunião para fechar uma posição sobre o tema.

Conceito inadequado?

A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Élbia Gannouom, considera o conceito de royalty sobre vento inadequado. “O mesmo vento que gera energia bagunça os meus cabelos. Vamos ter de pagar pela brisa? Se o sol e o vento pertencem a alguém, é a Deus”, disse. “Quem vai pagar essa conta é o consumidor. Estarão taxando energia limpa no Brasil, enquanto o resto do mundo incentiva essa produção.”

Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia, não há fundamento jurídico nem técnico para esse tipo de taxa sobre a energia solar. “O sol é um recurso renovável, disponível e de uso democrático”, afirma. “O sol é também um recurso imprescindível para agricultura e traz competitividade para a produção nacional. Vão taxar o agronegócio?”, questionou. Para ele, a cobrança é o remédio errado para um problema legítimo: a falta de recursos dos Estados e municípios.

Alternativas

Uma proposta alternativa para contribuir com os Estados produtores é a do senador Jean-Paul Prates (PT-RN). Ele defende uma redistribuição dos recursos arrecadados com ICMS sobre energia, hoje concentrados no destino, para a origem. Essa proposta, segundo ele, reequilibraria a arrecadação entre os Estados e beneficiaria o Nordeste.

“Royalty sobre energia solar e eólica é algo errado sob o ponto de vista jurídico. Isso só se aplica sobre recurso não renovável, pois ele não estará disponível para gerações futuras. Vento e sol, até que se prove o contrário, sempre estarão aí”, disse. Segundo ele, seria uma solução regressiva e que inviabilizaria investimentos.

A proposta dele é permitir que parte da arrecadação de ICMS sobre energia também fique com os Estados produtores. Esse tributo sempre é aplicado sobre a origem, exceto nos casos de energia, petróleo e derivados - uma compensação, segundo ele, dada pela Constituição de 1988 para beneficiar o Estado de São Paulo.

“A preocupação do senador Marcelo Castro é válida e meritória. Precisamos de compensações, mas o instrumento correto não é esse: é reverter o polo beneficiado do ICMS”, disse. Essa ideia integra uma proposta de emenda constitucional que tramita no Senado e, segundo ele, pode se transformar em uma emenda à reforma tributária.

“Queremos propor uma calibragem para não ser algo radical e que gere resistências. Em vez de trazer todo o ICMS da energia para a origem, vamos fazer cálculos até que se chegue a um empate entre Estados produtores e consumidores, para quem perde perder o menos possível e para quem ganha ganhar o máximo possível”, disse.




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