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UHE é tema obrigatório no debate da matriz

Usinas grandes não estão descartadas. MME aposta em projetos de médio porte e EPE propõe modernização de hidrelétricas antigas

CanalEnergia - 08/11/2019
Por Sueli Montenegro

 
Enquanto estuda uma estratégia para retomar projetos hidrelétricos de grande porte como o de São Luiz do Tapajós, na Amazônia, o Ministério de Minas e Energia discute internamente a revisão dos estudos de inventário e de viabilidade econômica de 20 aproveitamentos hidrelétricos de tamanho médio (entre 100 MW e 1 GW) no Sudeste e Centro-Oeste. Somados, eles tem potência instalada de 15 GW. Nota técnica divulgada pela Empresa de Pesquisa Energética na semana passada indica, por outro lado, que pelo menos 51 usinas com potência instalada de 50 GW poderiam passar por um processo de repotenciação e modernização, que elevaria sua capacidade em 20%, em um período variando entre 15 e 33 meses de acordo com o empreendimento.

“Nós estamos preocupados em assegurar uma participação representativa das hidrelétricas na matriz elétrica brasileira. Por que? Primeiro, nós temos toda uma expertise em nível nacional. Segundo, temos toda uma capacidade instalada fabril e nós vamos manter essa atividade funcionando normalmente”, explica o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, Reive Barros.

Ele defende a retomada do aproveitamento hidrelétrico no Tapajós e informa que está negociando com o governo do Piauí ações para facilitar o licenciamento ambiental de hidrelétricas na região do Paranaíba. O complexo de usinas soma aproximadamente 1800 MW de potência instalada.

Também defensor do que chama de “usinas órfãs”, Barros conta que está em tratativas com o BNDES para a liberação de financiamento, tanto para a revisão dos inventários quanto para os estudos de viabilidade técnico-econômica dos aproveitamentos elétricos. A avaliação do ministério é de que os 20 empreendimentos são promissores e ainda tem uma vantagem em relação a projetos de grande porte, que é a localização perto dos centros de carga.

A Secretaria de Planejamento Energético trabalha com a meta de realizar os estudos em 2020, para que as usinas consideradas viáveis possam ser incluídas no Plano Decenal de energia de 2021 a 2031. Elas poderão entrar no A-6 em 21 , para que possam entrar em operação entre 2027 e 2028.

A proposta do MME ainda não saiu do ministério como uma determinação à EPE.”A gente conhece esse entendimento do Reive de que deveria explorar o potencial de usinas médias. O que a gente tem aguardado é a oficialização disso para começar a estudar e ver o que realmente tem de potencial e se poderia sair do papel”, diz a superintendente de Meio Ambiente da estatal, Elisângela Almeida.


Nós estamos preocupados em assegurar uma participação representativa das hidrelétricas na matriz elétrica brasileira.
Reive Barros, do MME


O diretor de Estudos Econômicos, Energéticos e Ambientais da EPE, Giovani Machado, acredita que a análise terá de ser feita caso a caso. É possível que entre os projetos listados pelo MME existam alguns com inventários hidrelétricos bastante antigos e talvez o que foi um potencial no passado não esteja mais disponível ou tenha perdido a viabilidade, devido a alterações ocorridas no ambiente.

“A maior parte do potencial remanescente de hidrelétrica está no Norte, que é a região mais sensível socioambientalmente. Então, você tem uma dificuldade muito grande de fazer empreendimentos”, destaca o diretor da EPE. A estatal aposta na modernização do parque existente com um ganho para o sistema elétrico, mas sabe que ela não substituirá a necessidade de novos empreendimentos para atender a carga.

O critério usado pela EPE para definir empreendimentos que poderão passar pelo processo de retrofit resultou na escolha de usinas que operam há pelo menos 25 anos e não tiveram ainda investimentos em eficientização. “Há uma certa maturidade do parque instalado brasileiro. E, naturalmente, esse parque precisa de um tratamento específico”, afirma Diego Almeida, engenheiro da área de projetos da Diretoria de Estudos Econômicos. Ele lembra que existem no Brasil usinas construídas em 1920, com praticamente 100 anos.


A maior parte do potencial remanescente de hidrelétrica está no Norte, que é a região mais sensível socioambientalmente.
Giovani Machado, da EPE


O técnico da EPE admite que o universo de usinas a serem modernizadas pode ser bem maior, já que o parque hidrelétrico brasileiro tem mais de 100 GW instalados. O estudo da estatal procura reintroduzir o tema na agenda do dia e envolver na discussão os agentes do setor elétrico. “Isso é uma grande jazida de exploração de que o Brasil dispõe e que pode ser explorada nos próximos anos. Mesmo no PDE, que nós também publicamos para consulta pública, [a ideia] já se encontra lá, não como alternativa consolidada mas como uma alternativa para estudos, a disponibilização desse potencial e os investimentos dos concessionários nessa jazida de potência e energia”, diz Almeida.

A defesa da valorização das UHEs existentes não é novidade na estatal. Luiz Augusto Barroso, que presidiu a empresa no governo passado e hoje é presidente da consultoria PSR, bate na mesma tecla, ao afirmar que por razões econômicas e socioambientais o Brasil não vai ter a quantidade de hidrelétricas que gostaria de ter. Ela alerta que é necessário valorizar o papel das usinas em operação e remunerar adequadamente um serviço que elas prestam sem receber por isso, que é o de flexibilidade operativa para compensar a intermitência das novas fontes renováveis . O Brasil vai ter que olhar também com muito carinho para a transmissão, que será um fator de integração da flexibilidade das hidrelétricas existentes.

Apontadas normalmente com uma fonte de energia barata, as hidrelétricas podem não ser a opção mais atrativa, quando considerado o custo total (geração, transmissão, risco hidrológico etc), pondera Barroso. “A gente começou a observar na EPE que nem toda hidrelétrica era boa, bonita e barata. Então, mesmo sem a questão socioambiental, por uma questão econômica a hidrelétrica não necessariamente é a opção mais barata em relação as outras alternativas.”

A fonte, que hoje representa mais ou menos 70% da matriz elétrica, vai perder espaço mas vai continuar importante. A previsão é de que em 2050 a energia hidráulica represente de 40% a 45% do total, o que é um percentual ainda bastante elevado. Em um cenário como esse, a fonte que dá os atributos que a hídrica daria é a geração térmica, especialmente a gás. A questão é que o produto não pode vir a qualquer preço, afirma Barroso.


Mesmo sem a questão socioambiental, por uma questão econômica a hidrelétrica não necessariamente é a opção mais barata em relação as outras alternativas.

Luiz Barroso, da PSR


Para o executivo da PSR, o secretário de Planejamento do MME adotou uma posição  correta, pois ela indica a disposição de trabalhar com os projetos mais factíveis do ponto de vista socioambiental e mais competitivos economicamente falando. Em sua passagem pela EPE, Barroso também retirou grandes hidrelétricas do PDE 2026.

O diretor da Excelência Energética, Érico Garcia de Brito, observa que grandes projetos hidrelétricos serão uma raridade no futuro. “A tendência da matriz brasileira é ser cada vez mais tomada por outras fontes e você ter um realidade de despacho totalmente diversa do que é atualmente”, diz o especialista.
Olhando o plano decenal, ainda tem espaço para UHEs no horizonte, mas, na prática, há dificuldades de inserção nos leilões de energia por limitações de preço e questões ambientais, afirma Brito. Ele vê um certo esforço da EPE em emplacar pequenas e médias usinas nos certames, como se viu no último leilão A-6.

Com algumas exceções, que ainda poderão ser licitadas, os grandes empreendimentos da fonte não tem como entrar na disputa. “Você pode fazer uma repotenciação, uma melhoria”, dia o consultor. Ele vê com preocupação a privatização da Eletrobras, na qual a União terá apenas 10% das ações com direito a voto após o aumento de capital proposto pelo governo. Isso significa que como o olhar da nova companhia será privado, atitudes ousadas que tornaram viáveis grandes empreendimentos do setor em anos recentes poderão não mais ser tomadas.

Para quem tem de lidar diariamente com as oscilações da carga do sistema, fazer a defesa de fontes firmes como hidrelétricas e termelétricas pode parecer redundante, mas, de fato, não é. O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Luiz Eduardo Barata, mostra que as características intrínsecas às novas renováveis por si só justificam a importância das duas fontes. No horizonte do planejamento decenal de expansão não se descarta a presença de energia fóssil, mas o país tem a sorte de contar com uma grande diversidade de fontes, avalia Barata.


“Isso é o que a gente tem hoje: as eólicas e solares na base, o gás depois e as hidrelétricas por cima”, Luiz Eduardo Barata, do ONS


“No futuro vamos continuar com um programa intensivo de instalação de renováveis intermitentes. Mas também vamos ter gás, porque temos que usar o gás, principalmente do pré-sal, seja para consumo industrial seja para consumo de térmica. Isso tudo acontecendo, nos vamos ter as hidrelétricas por cima da matriz de consumo, fazendo a modulação. Isso é o que a gente tem hoje: as eólicas e solares na base, o gás depois e as hidrelétricas por cima”, conclui o executivo. O ONS está também alinhado com a EPE quando à necessidade de recapacitação de usinas antigas, para aumentar a potência e dar maior eficiência, mas defende a introdução de um outro elemento na discussão, que é o uso de usinas reversíveis para returbinar a água que já passou pelas unidades geradoras.

Para empreendedores do setor, ainda é possível aproveitar o potencial restante. O presidente do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico, Marcelo Moraes, diz que um país com as características do Brasil não pode abrir mão de explorar uma fonte limpa, renovável e com energia barata. Ele diz que “há um ranço em relação ao passado”, pela forma como foram implantados grandes empreendimentos durante o governo militar, e sugere que haja uma análise criteriosa para definir que empreendimentos seriam viáveis. “Tem que ter estudos bem feitos. Essa é uma meta que o setor tem que assumir, de melhorar a qualidade dos estudos ambientais e colher realmente os melhores aproveitamentos.”

“Sou favorável a incluir o nosso potencial economicamente aproveitável ainda. Acredito que temos usinas com baixo impacto que poderiam ser aproveitáveis, e, com isso, favorecer muito renováveis como solar e eólica, até que a gente chegue à era das baterias”, afirma o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico e da Associação Brasileira de Investidores é Autoprodução de Energia Elétrica, Mário Menel. Ele reclama que construir uma hidrelétrica no Brasil é muito complicado e argumenta que todas as fontes, sem exceção, tem impactos ambientais, em maior ou menor escala. “A Cali fornia hoje está tendo problema com os paineis solares que estão chegando ao fim da vida útil por causa da liberação de material tóxico”, exemplifica o executivo.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Geração de Energia Elétrica, Flavio Neiva, afirma que a matriz deve contemplar as fontes primárias e, na medida do possível, envolver todas as demais fontes de energia disponíveis, como eólica, solar e termelétrica a biomassa. O modelo hidrotérmico deve prevalecer para o equilíbrio do balanço entre oferta e demanda, especialmente em possível retomada do crescimento da economia. “Não podemos prescindir simultaneamente dessas duas fontes”, defende o executivo da Abrage.

O presidente da Associação dos Produtores Independentes de Energia Elétrica, Guilherme Velho, destaca a importância da fonte para a confiabilidade do suprimento de energia e reforça a crença comum entre agentes tradicionais do setor de que e necessário construir usinas com capacidade de armazenamento. Ele observa que é necessário um ambiente favorável a novos investimentos em energia elétrica, mas isso exige a superação de questões que tem afetado a presença da fonte hídrica nos leilões, como o aperfeiçoamento estrutural do Mecanismo de Realocação de Energia e o ressarcimento dos custos de deslocamento hidrelétrico decorrente de fatores não hidrológicos, que está em projeto de lei travado no Senado.




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