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É hora de construirmos a Coalizão Renovável

Será que a queda no consumo com a pandemia do COVID poderá deixar-nos pensar fora da “caixinha do improviso” e da “emergência” constantes

CanalEnergia - 15/06/2020
Ivo Pugnaloni, da Enercons


COVID 19 – Estas cinco letras e dois algarismos fizeram o consumo de energia elétrica cair quase 14%, na sua média total, em abril. Isso fez os mais jovens e menos acostumados com as crises econômicas temerem o pior e a fazer previsões muito pessimistas.

De fato, é compreensível que aqueles que ainda não viveram os “apagões” e racionamentos do passado, nem compreenderam bem seus efeitos, se tornem interpretes de sombrios vaticínios, tenham estes motivações e razões sinceras, ou apenas um compreensível interesse de propor aos investidores que aconselham “ir às compras na baixa”, quando se trate de ativos de geração quer estejam operando, em construção ou em projeto.

Mas quem já passou por situações semelhantes não se impressiona, nem esquece, – por exemplo -, o forte crescimento do consumo industrial, entre 2003 e 2012, após o racionamento de 2001. Nem o crescimento do mercado livre de energia durante 2016, 2017 e 2018. Nem tampouco, deixa de observar que o consumo em alguns setores como o residencial, de eletrodomésticos e o do setor de alimentos não caiu, mas subiu em mais de 7% durante o isolamento social.

Basta correr os olhos nos veículos de informação de todo o mundo para perceber que centenas de milhares de cientistas, nos mais avançados centros de pesquisa biomédica e farmacêutica do mundo estão, nesse momento em que você lê esse artigo, estão trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana, numa verdadeira corrida para encontrar a vacina e a cura do COVID 19.

Esse é o histórico do enfrentamento de moléstias contagiosas: elas surgem e são derrotadas pela ciência e pela indústria farmacêutica mundial. Se foi assim até agora, por que não seria assim agora?

O isolamento social reduz os negócios? Claro que sim, mas isso não é definitivo.

E sem podermos contar ainda com vacina nem remédio, impedir o contágio passou a ser a única prioridade. Por isso o isolamento funcionou tão bem, sem dúvida alguma, quando foi aplicado a tempo. E funcionou também mesmo quando foi aplicado tardiamente.

Mas e o setor elétrico brasileiro?

Será que precisaremos parar de desenvolver novos projetos, enquanto a ciência e a indústria não conseguirem desenvolver a vacina e a cura? Os novos projetos de geração, transmissão e distribuição que estavam sendo desenvolvidos precisam ser engavetados?

As nossas obras precisam ser interrompidas? A fabricação de turbinas, geradores, cabos, torres, estruturas e equipamentos precisa ser paralisada e suas cadeias produtivas destruídas, técnicos despedidos e contratos rasgados?

Claro que não! Isso não faria o menor sentido econômico, nem mesmo financeiro.

Os governos, os órgãos reguladores e ambientais por outro lado, nesse momento precisam ser os primeiros a sinalizar ao mercado que não estão cegos às dificuldades e que por certo, levarão em conta todas as consequências nefastas motivadas não apenas pelo vírus, mas pela retração da economia dos últimos anos, principalmente sobre a indústria das energias limpas. As associações setoriais por sua vez, cumprindo seu papel estatutário e razão de existir, certamente não deixarão de lembrar dessas externalidades aos governos e órgãos reguladores.

O compromisso do Estado Brasileiro com a descarbonização do setor elétrico, firmado em várias Leis e na própria Constituição Federal vai precisar ser renovado e reforçado.

Para isso, nada melhor que uma época de alívio, de redução da pressão cega por mais energia “a qualquer preço e a qualquer custo”, que vivemos no passado, principalmente entre 2010 e 2014 quando do bloqueio a novas hidrelétricas, para podermos remover as amarras que ainda impedem o aproveitamento de recursos naturais limpos, abundantes e próprios de nosso país.

Ou será que para nós, brasileiros, tanto faz, se produzirmos energia com quedas d’agua, com vento, com sol ou com combustíveis derivados de petróleo, cada vez mais caros, cada vez mais importados e mais poluentes, desde que não nos faltasse energia?

A diferença entre produzir eletricidade mediante o uso de combustíveis fósseis ou renováveis e muito singela e pode ser resumida em poucas palavras, com a seguinte escolha entre duas alternativas:

Você prefere investir pouco agora em equipamentos importados e muito mais em combustível fóssil importado, caro e poluente, pelo resto da vida útil, estando ainda sujeito aos caprichos dos cartéis mundiais do petróleo?

Ou prefere investir quase nada a mais agora, mas em equipamentos e serviços nacionais e nunca mais ter que investir um centavo em “combustível” nenhum, já que a água, o sol e o vento chegam na usina de graça, sem pagar transporte, nem seguro, nem impostos?

O momento ideal para uma Coalizão Renovável?

Nas épocas de alto consumo, quando torna-se inevitável a grande dependência de termoelétricas fósseis para gerar energia, sempre vai ser muito difícil fazer a escolha certa acima, com a serenidade necessária, pois a ameaça de apagões estaria, a todo momento, impedindo a opção mais racional.

Com o COVID 19 e a significativa redução do consumo em 15%, essa pressão desapareceu. E agora temos tempo para fazer as melhores escolhas para o planejamento da expansão da geração. E os governos, tempo para para colocar a casa em ordem, já que estarão livres da pressão social para evitar o apagão.

“Ah, mas o custo do petróleo caiu, Ivo! Ficou mais barato ainda produzir energia elétrica com petróleo! Agora é que hora de não investirmos nada, em renováveis!”

Já podemos escutar as vozes de sempre, aquela dos profetas do “senso comum” mais primário, tão ao gosto do homem da rua, – mas na contramão do mundo civilizado – daqueles que falam e escrevem sempre a serviço da indústria petroleira, recitando essa “poesia” conhecida contra as energias renováveis…

Uns versos tão velhos, desgastados, batidos e desprovidos de qualquer visão estratégica que nem vale a pena responder. Conversa de vendedor, são o que são, na realidade…

Aos que fazem tal defesa questiona-se como estaria agora uma termelétrica Merchant, tendo que manter todos os seus custos fixos que não são, nem de longe, desprezíveis e que precisam ser pagos, ou pelo investidor ou pelo consumidor?

Essa conversa chega até a ser até engraçada, mas ao mesmo tempo é triste. Pois é cômico e dramático ao mesmo tempo assistir profissionais tão letrados e experientes, fazendo o papel de simples “ghost writers” de um cartel secular que pretende continuar a dominar o mercado de combustíveis finitos e poluentes. Um cartel que segue recusando-se a aceitar o livre desenvolvimento das energias renováveis, apenas por interesse próprio, apenas por serem elas impossíveis de serem cartelizadas, por estarem presentes, de uma forma ou de outra, em todo lugar e em todos os países.

Agora com a desculpa “da queda do preço do petróleo” e da redução do consumo de energia…

Minha resposta predileta esses absurdos populares vem da História da Grécia Antiga, do combate que Esparta e as cidades gregas deram à invasão dos persas de Xerxes…

O consumo total caiu?

“Melhor, combateremos à sombra”, estaria dizendo Leônidas frente à nuvem de flechas persas, que segundo o mensageiro que voltava do campo de batalha, encobririam o próprio Sol…

Ou seja: o consumo total caiu? E daí? Vamos fugir? Vamos chorar? Bradar aos céus? Vamos rasgar as nossas vestes e cobrir a cabeça de cinzas, enchendo os templos com os gritos desesperados de nossas lamentações?

Ou vamos reagir? O consumo total caiu? Mas e o consumo específico, quanto terá aumentado?

Quanto ainda deve aumentar o consumo de energia em setores específicos e gigantescos como de alimentos, agronegócio para exportação, fármacos, higiene pessoal, linha branca, metalurgia, serviços, informática, energia residencial?

Quanto ainda deve ganhar em novos investimentos nossa sociedade humana apenas com a maior agilidade que a operação em “Home office” das empresas de engenharia, de bancos de investimentos e até mesmo do próprio judiciário, vem permitindo?

Quanto a sociedade, recolhida em casa, com mais tempo para pensar, irá valorizar com mais certeza aos produtos fabricados com energia limpa e renovável?

Quanto os governos, pressionados pela sociedade, irão valorizar energia produzida sem danos à atmosfera, à vida sobre a Terra, como prevê Jeremy Rifkin em sua entrevista dessa semana ao The Conversation, publicada pela BBC.

É pensando assim que devemos continuar nosso trabalho, nosso investimento, nosso esforço, para estarmos preparados para a sociedade, para a nova era que virá logo após o descobrimento das vacinas e dos remédios que com certeza irão derrotar o COVID 19.

E não é só contra os efeitos do COVID 19 sobre a economia que nós devemos nos preparar para novos tempos, mas com qualquer outra moléstia infectocontagiosa que possa surgir, mas é inevitável considerar que quanto menor o impacto de nossa sociedade no planeta Terra, com uso racional da energia, menores são os riscos para a própria sociedade. Pois esta tem sido a história da humanidade!

Ótimo momento para que, sem o risco de apagões, desliguemos as termoelétricas movidas à combustíveis fósseis, focando nosso esforço regulatório, técnico e financeiro nos recursos energéticos disponíveis na natureza e ao alcance de todos, que chegam às nossas usinas solares, eólicas e hidroelétricas sem pagar qualquer frete, qualquer custo, qualquer seguro, qualquer taxa ou imposto de importação.

E que durante o ano inteiro, são criados pela própria natureza dos movimentos terrestres em quantidades generosas e abundantes, que embora variem de ano para ano, sempre tem sido ão harmoniosamente complementares entre si, como demonstrou a professora Leontina Pinto, da ENGENHO, uma das criadoras do Newave em 1986.

E mais: deixemos de lado o “bom senso de botequim”, o chamado “senso comum”, aquela visão de curto prazo e sem estratégia, que é tão própria do “homem comum”, aquele que sendo iletrado e às vezes semi-analfabeto e preconceituoso contra quem “tem estudo”, gosta de estufar o peito e dizer que tem orgulho de ser “simprão” e não acreditar na ciência e na tecnologia.

Um defeito muito comum hoje, que pelo menos os funcionários de Estado, os acadêmicos e cientistas, pelo simples dever de imparcialidade e isonomia, não devem se dar ao luxo de ter, evitando assim a advocacia administrativa, que tanto mal já fez às sociedades humanas.

Coalizão Renovável: a hora de considerar as externalidades é agora.

Passou da hora de construirmos uma Coalizão Renovável, capitaneada pelas associações setoriais, pelas associações de consumidores, pelos fabricantes, revendedores, projetistas, consultores ambientais, cientistas, investidores e desenvolvedores de todos os ramos renováveis.

Passou da hora de juntarmos em torno de uma só mesa, o solar, o hidrelétrico, o eólico, a biomassa, os resíduos sólidos, a maremotriz, que tanto temos sido prejudicados pela enorme força, secular e onipresente, do muitíssimo bem organizada coalizão do petróleo, do gás e do carvão.

É mister que consigamos, com esta nossa Coalizão, que os governos considerem as externalidades na geração de energia elétrica e atribuam justo valor monetário a elas nos cálculos de financiamento e nos preços da energia, computando assim todos os benefícios que as energias limpas trazem à sociedade brasileira e mundial.

Além disso, é importante que junto à ANEEL e principalmente junto à EPE consigamos ver quantificados pois são todas reais, estas externalidades, apontados por vários estudos famosos, como por exemplo aqueles desenvolvidos pela Roland Berger e Engenho para a ABRAGEL.

É impossível permitirmos alegre e levianamente, como se fosse normal, que esses benefícios sejam simplesmente ignorados pela empresa encarregada de pesquisas energéticas, seja em termos de conservação ambiental, de saúde humana, de aproveitamento de recursos naturais e industriais, de criação de empregos, de manutenção e expansão mundial de nossa indústria de turbinas, geradores, transformadores e de engenharia especializada, à geração de receita, de arrecadação de impostos, de confiabilidade e segurança para o setor elétrico.

Por outro lado, importante que com a ação coordenada por esta Coalizão junto ao Congresso Nacional, junto às Universidades e principalmente junto à mídia, sejam considerados, sem medo de “punições” ou represálias no financiamento de campanhas políticas, – os muitos custos adicionais que o uso indiscriminado dos combustíveis fósseis traz associado quando usados para gerar eletricidade, fora de períodos emergenciais.

Custos que, por sinal, jamais foram considerados por qualquer governo brasileiro, mesmo apesar de mencionados e detalhados à minúcia em vários acórdãos do Tribunal de Contas da União, bem como nos estudos da própria PSR Consultoria, insuspeita e conceituada empresa de consultoria privada nacional.

Essa Coalizão Renovável Brasileira, atuando internacionalmente, poderia mostrar ao mundo que a dependência excessiva da indústria chinesa, não poderia ter feito os países abandonarem sua própria indústria. Muito menos o Brasil, com relação a serviços, máquinas e equipamentos destinados ao setor de energia renovável, que deveriam contar com fortíssimo estímulo para produção nacional de modo a construir uma base para exportação para o Oriente Médio, a África e América Latina e para a própria China. Recuperando assim um terreno que já tínhamos conquistado com a qualidade de nossos produtos e de nossa engenharia.




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