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Mercado de capitais começa a valorizar economia limpa

Adoção de práticas sustentáveis ganha força na atração de recursos no cenário pós-pandemia

Valor Econômico - 22/06/2020
Por Sergio Adeodato


O financiamento da retomada da economia dentro de novos padrões ambientais e sociais tem sido ponto de preocupação para quem acredita na crise da covid-19 como divisor de águas na rota de um mundo diferente. O senso de urgência esbarra no endividamento público e no choque ao caixa das empresas, desligadas da tomada. Mas, na visão de Annelise Vendramini, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade, da Fundação Getulio Vargas (FGV), um fator sinaliza o envolvimento da sociedade no desafio: “a tendência de maior participação de pessoas físicas no mercado de ações, com potencial de carregar junto a pauta socioambiental expressa nas decisões sobre os papéis a comprar”.

Em julho de 2019, existiam 1 milhão de CPFs com negócios em renda variável, quantidade que dobrou para 2 milhões em abril de 2020, antes da pandemia, segundo dados da empresa B3. “São investidores de perfil mais jovem e paciente, que priorizam a boa gestão - inclusive a sustentabilidade - como entrega de valor econômico de longo prazo às empresas”, analisa Vendramini, ao lembrar que “o dinheiro tende a ser muito eloquente”.

A disponibilidade de recursos à nova economia, diz a pesquisadora em finanças sustentáveis, depende de um ambiente favorável aos negócios em geral - sem barreiras, como falta de transparência e insegurança jurídica e regulatória. “Assim, o verde virá junto, pois o mundo já está direcionado a isso”, prevê. O setor financeiro avançava no tema antes da covid-19, e agora a exposição das empresas se torna mais nítida. Como diz o megainvestidor americano Warren Buffet, afirma Vendramini, “você só descobre quem está nadando pelado quando a maré baixa”.

Os impactos da pandemia se somam aos prejuízos devido à destruição da natureza, estimados pelo WWF em US$ 480 bilhões por ano até 2050, no mundo. “Quem adota práticas sustentáveis tem mais chances de protagonismo na retomada”, analisa Lauro Marins, diretor do CDP na América Latina, lembrando que, em janeiro, o Fórum Econômico Mundial já havia sinalizado a migração do capital para a economia limpa.

Ao juntar os cacos da crise, a União Europeia anunciou € 1,8 trilhão para investimentos guiados pelo baixo carbono até 2027, com ênfase na energia renovável, agronegócio sustentável, eficiência na construção civil e transporte, redes inteligentes, economia circular e restauração ecológica. Estima-se que soluções tecnológicas baseadas na natureza possam entregar até 30% dos esforços de mitigação climática.

“A pandemia obriga pensar fora da caixa em formatos de financiamento e estamos acelerando ações para incorporar a sustentabilidade desde o início dos projetos”, revela Petrônio Cançado, diretor de crédito e garantia do BNDES. Um exemplo, segundo ele, se traduz na iniciativa de esverdear as “debêntures incentivadas”, mecanismo de investimento que até abril movimentou R$ 3,1 bilhões com isenção de imposto de renda e, em junho, passou a se aplicar à infraestrutura sustentável.

Luciano Gurgel, diretor da Yunus Negócios Sociais Brasil, é taxativo: “As formas de decidir sobre investimento nos levaram ao lugar onde estamos”. Segundo ele, cabe agora repensar modelos, somando o conceito de impacto à noção de risco e retorno financeiro, para não repetir o antigo padrão - o que, como tem falado o economista Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006, significaria “rota de suicídio”. O desafio, na análise de Gurgel, inclui o acesso a crédito simplificado para formar uma rede de proteção social contra futuras crises.

“Não adianta doar certo e investir errado”, ressalta Leonardo Letelier, diretor da Sitawi - gestora de fundos com expressiva demanda na pandemia. Caiu a ficha para o valor dos negócios de impacto ambiental e social, cujos investimentos dobram a cada ano e, em 2019, mobilizou US$ 500 bilhões no mundo. “Sofrerá menos quem tiver maior relevância social”, afirma Letelier.

“Nunca vi o tema ser tão falado por diferentes atores”, diz Sônia Favaretto, presidente do conselho da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil, para quem “a capacidade de resposta das lideranças é essencial e a transparência se tornou um imperativo”. O que antes se via como nicho ganha o espaço principal, porque “a natureza da crise mexe com o comportamento do consumidor e investidores”. Expõe fragilidades do sistema socioeconômico e faz repensar as relações comerciais.

No entanto, para Paulo Branco, diretor do Instituto Fronteiras do Desenvolvimento, “persiste o desafio de levar a agenda da sustentabilidade para a dimensão política, sem a qual a escala da transformação se torna limitada”. Suzana Kahn, professora da Coppe, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda: “Se a pressão pública esfriar, a onda passa e as oportunidades de avançar na economia verde e saneamento básico, por exemplo, podem não ser aproveitadas”, afirma.

A bioeconomia é discutida como novo eixo de desenvolvimento. “Não é possível pensar em retomada sustentável, sem reduzir o desmatamento”, observa André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Além de capturar carbono, a Floresta Amazônica irriga com chuvas o agronegócio brasileiro, que representa um terço da economia nacional e alimenta diariamente 1,2 bilhão de pessoas no mundo, segundo Guimarães. “O Brasil tem tecnologia para produzir sem desmatar e deveria puxar a fila desse processo para mostrar que podemos fazer diferente.”




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