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Ainda é possível salvar a capacidade de Belo Monte

O racionamento de energia elétrica, em futuro próximo, se mostra inevitável, mas há chance de evitá-lo caso seja imediatamente revista a política de redução dos reservatórios das hidrelétricas.

Valor Econômico - 30/07/14

Por Elcias Ferreira

A operação contínua das térmicas faz com que toneladas de CO2 sejam despejadas na atmosfera. Projeta-se que o acionamento dessas usinas consumirá mais de R$ 30 bilhões até o final de 2015. O dano ao meio ambiente e o aumento do custo da energia, com desperdício de recursos que poderiam ser vertidos para a construção de novas usinas, mostram como se errou com a redução de reservatórios que podem e devem ser ampliados, imediatamente, a fim de se buscar uma solução para esse problema.

Ainda que o regime de chuvas se altere nos próximos meses e os reservatórios atinjam, novamente, níveis elevados, eles se esvaziarão, como ocorreu em 2010, quando a média nacional desceu de 78% para 31% em dezembro, apesar de um regime hídrico dentro da média histórica.

As turbinas estão à disposição para produzir mais energia, bastando fazer chegar nelas quantidades adicionais de água, que conduziriam a um aumento da potência média. Os sistemas de transmissão hoje existentes também são suficientes para se transmitir essa energia extra aos consumidores, não sendo necessários investimentos adicionais nas linhas.

Em abril, quando termina o período de chuvas e se inicia o período de seca, alguns reservatórios já estavam em nível crítico. A altura da água no reservatório é determinante para a potência de uma usina. Quanto mais alto o nível do reservatório, maior é a eficiência da usina. A perda de altura da coluna d'água leva a uma perda de potência das usinas, pois as turbinas consomem muito mais água para produzir a mesma energia. Assim, o esvaziamento dos reservatórios tende a acelerar ainda mais, na medida em que se gastará mais água para produção de cada Megawatt.

O reservatório de Furnas estava, em março de 2014, de acordo com o ONS - Operador Nacional do Sistema, com 28% do volume útil; Itaparica com 28%; Foz do Areia com 21%; Nova Ponte com 25%; Itumbiara com 30%; Marimbondo com 24%; e Três Marias com 18%. O reservatório de Três Marias é a grande caixa d'água do Nordeste, regulando a vazão a partir do Alto São Francisco, o que influencia na geração entre Sobradinho e Xingó, usinas vitais ao suprimento da região.

Com o crescimento constante do consumo brasileiro nos últimos vinte anos, não há solução milagrosa: a construção de uma termelétrica de porte médio leva de 3 a 5 anos. Uma hidrelétrica de grande porte ou nuclear toma de 7 a 10 anos. Isso se tudo correr bem, sem embargos ou paralisações.

Há, entretanto, uma solução que não exigiria tanto tempo, mas engenharia e criatividade: reestudar todas as hidrelétricas construídas ou em construção para aumentar a capacidade média de geração, seja implantando reservatórios adicionais rio acima ou alteando as barragens.

No início da década de 70, a Usina de Furnas teve elevado o nível do seu reservatório em quase dois metros, viabilizando um aumento da capacidade de 900 MW para 1.200 MW. Na mesma década a empresa argentina Hidronor, ao construir as usinas dos rios Neuquén e Limay, implantou lagos adicionais no conjunto El Chocon - Cerros Colorados - Planicie Banderita. Em 2011, a Usina Cambambe, em Angola, iniciou o alteamento de sua barragem para aumentar a capacidade geradora, devendo a obra ser concluída ainda em 2014.

Aqui no Brasil, este estudo deveria priorizar Belo Monte, que no início tinha um potencial estimado de 16.000 MW, seguidamente reduzido até 11.400 MW. Como essa usina não tem reservatório, sua geração média será de 4.500 MW. Com o alteamento da barragem e a construção de reservatórios adicionais rio acima, Belo Monte poderá elevar sua produção média para algo como 9.000 MW, o dobro do atual projeto. O prazo para essas obras seria bem menor do que a construção de qualquer usina, podendo-se estimar em três anos.

Este estudo, aplicado também a outras usinas, poderá resultar na alavancagem da produção nacional de energia elétrica, com os benefícios decorrentes de serem instalações já inseridas num sistema de transmissão em serviço.

Para realizar essa tarefa, o setor elétrico precisaria da liderança do Ministério de Minas e Energia para remover os obstáculos que certamente aparecerão.

É importante entender que a ampliação dos reservatórios também ajudaria na estabilização do regime de chuvas. A existência de grandes espelhos d'água aumentaria a evaporação e a formação de nuvens, melhorando a distribuição das chuvas. Para perceber a importância deste espelho adicional, basta comparar a área dos reservatórios das hidrelétricas com a área dos lagos naturais existentes no país. Esse tema já foi tratado pelo consultor Ivan Dutra Faria em artigo no Valor de 11/11/13, no qual ele demonstra a utilidade milenar dos reservatórios.

Isso teria que ser realizado, sem prejuízo do programa decenal de construção de novas usinas: hidráulicas, nucleares e térmicas de base, etc.

É importante assinalar que os reservatórios impactam sim o meio ambiente, mas trazem muitos benefícios. As termelétricas impactam muito mais. Qualquer acréscimo ao planeta também impacta o meio ambiente: desde o nascimento de um ser humano até a construção de casas e cidades. Mais impactos causam o crescimento demográfico mundo afora e a ocupação desordenada de morros e margens de rios. A população brasileira aumentou 110 milhões de pessoas em 40 anos, mais do que França e Reino Unido em 2.000 anos.

Elcias J. Ferreira, engenheiro, é ex- superintendente de geração hidráulica de Furnas e ex-presidente da Associação Brasileira de Manutenção.




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