CanalEnergia - 26/03/2019
Por Pedro Alves de Melo e Sérgio Balaban
A Reportagem Especial publicada em 15/03/2018 no Portal CanalEnergia, “Cenário de Crise Hídrica Amplia a Discussão Sobre Segurança Energética – ANA fala em construir consensos, Setor Elétrico Reclama, ONS adota tom conciliatório”, revisita a discussão de um tema relevante, a gestão dos recursos hídricos e sua relação com a gestão da geração hidrelétrica. A situação hidrológica observada nos últimos cinco anos mostrou, sem sombra de dúvida, que os conflitos entre os diversos usuários da água chegaram.
Não só chegaram como se intensificarão em decorrência da redução gradual e irreversível da participação da geração hidrelétrica na Matriz Elétrica Nacional, em especial na região Nordeste, como apresentado na figura a seguir, usando dados do PMO/ONS de janeiro de 2019 e do PDE – 2026, publicado em 2018.

Quando o setor elétrico, eventualmente, reclama é compreensível, basta observar os impactos dos usos considerados consuntivos, comentados a seguir.
Esses usos impactam direta e negativamente os agentes geradores hidrelétricos uma vez que, ao reduzirem as afluências às usinas hidrelétricas, reduzem as respectivas garantias físicas. Parâmetro de natureza estrutural com influência, às vezes significativa, na viabilidade econômica dos empreendimentos, uma vez que representam seus limites de contratação.
Outro impacto que também merece destaque é a influência dos usos consuntivos no Custo Marginal de Operação – CMO.
Nesse caso, essa influência, de natureza conjuntural, não se limita apenas aos geradores hidrelétricos mas, a todos os geradores e suas relações comerciais no dia a dia da operação. A figura seguir apresenta esse impacto de acordo com o PDE – 2026, elaborado pela EPE.
O momento atual, quando o MME retoma o planejamento de longo de prazo, parece propício à promoção de ajustes nos processos de planejamento da expansão e operação do SIN que digam respeito ao uso múltiplo da água. Cabe ressaltar, dentre os documentos de apoio ao PNE – 2050, a proposta Disponibilidade Hídrica e Usos Múltiplos, que trata da questão no horizonte de longo prazo.
Essa questão está interligada a várias outras no contexto do processo de planejamento nesse horizonte, especialmente a as opções de futuras fontes geradoras que deverão compensar a esperada redução da geração hidrelétrica, resultante do uso da água, particularmente para a irrigação.
Na implementação de eventuais ajustes não parece fazer muito sentido à busca de um “trade-off” entre usar água para produzir energia elétrica ou para irrigação. Uma vez que para a irrigação não existe substituto para o insumo agua, enquanto para a geração de energia elétrica a cada dia surgem novas alternativas disponíveis.
Cabe lembrar sugestão do ex Presidente da ANA Dr. Vicente Andreu, em conversa com a Agência Canal Energia durante o evento “Cultivando Água Boa”, realizado em Foz do Iguaçu. Nessa conversa, Dr. Vicente Andreu sugeriu uma revisão das regras de operação dos reservatórios hidrelétricos no Brasil. Esta revisão teria como objetivo buscar um equilíbrio entre os atendimentos energético e hídrico, levando em conta as particularidades regionais.
A questão central relativa a integração entre os planejamentos setoriais da área de recursos hídricos e da área de energia elétrica é a incompatibilidade entre o primeiro princípio da Política Nacional de Recursos Hídricos, que estabelece a adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, visando a otimização local desses recursos. E o setor elétrico que adota o princípio do planejamento em nível de sistema interligado, visando a otimização global do SIN através das interligações.
Estas interligações, uma vez utilizadas para a otimização global do SIN, podem desequilibrar o balanço hídrico nas regiões de interesse. Portanto, é de se esperar que à medida que os outros usos da água forem se impondo ao uso exclusivo para gerar energia elétrica os conflitos entre os Agentes Geradores, proprietários de usinas hidrelétricas, e os outros usuários da água se intensificarão.
Estes conflitos ainda vem sendo tratados no nível infra legal através de resoluções normativas expedidas pelas Agências Reguladoras, ANA e ANEEL. No momento em que o Projeto de Lei referente à reforma do modelo do Setor Elétrico Brasileiro encontra-se em discussão no Congresso Nacional, abre-se a oportunidade para ser examinado de forma mais abrangente, do ponto de vista legal, o tema: Uso Múltiplo da Água e Geração de Energia Hidrelétrica.
Como a relação harmônica entre os usos da água para outros fins e os usos para fins de geração hidrelétrica é de interesses estratégico para o país, já passou da hora de se ajustar os processos de planejamento e de operação de ambos os setores, recursos hídricos e geração hidrelétrica. Estes ajustes devem levar em conta as observações de autoridades que se manifestaram na citada reportagem, como colocado a seguir.
O Presidente da EPE Thiago Barral enfatiza a necessidade de um trabalho conjunto da ANA, EPE e ONS. Este trabalho conjunto certamente facilitará a busca por consensos como ressalta o Diretor Geral do ONS Luiz Eduardo Barata. Estes consensos, sem dúvida, possibilitarão parcerias ganha – ganha como sugere o Dr. Rodrigo Flecha, superintendente da ANA.
Todas essas sugestões devem levar em conta a possibilidade da adoção de mecanismos de mercado, visando um uso eficiente da água, como sugerido por Jerson Kelman, renomado especialista no tema e ex Presidente da ANA. Outro aspecto fundamental é o fortalecimento da fiscalização, coibindo o uso ilegal da água à revelia das outorgas concedidas pela ANA, como observou Marcelo Moraes do FMASE.
O ponto de partida para essas discussões pode ser a colocação de Reive Barros, atual Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, quando à época Presidente da EPE, na palestra PERSPECTIVAS DO SETOR ELÉTRICO 2018 A 2022, Palestra Especial: do ENASE 2018, realizado no Rio de Janeiro/RJ em 23 mai. 2018, ao abordar o tema, “Autossuficiência energética das regiões”.