Déficit hidrológico reacende temor de crise em geradoras

Donos de hidrelétricas vão discutir problema com MME e Aneel

Valor Econômico - 14/06/2021
Por Daniel Rittner e Rafael Bitencourt


O agravamento da situação hídrica abre a possibilidade de um novo rombo no caixa das geradoras de energia. É um problema que, em crises anteriores, criou passivos bilionários e levou anos para ser resolvido. Agora, graças à mudança recente na legislação, o drama é menor. Mesmo assim, a Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) afirma estar preocupada com o impacto financeiro, para as usinas, do déficit hidrológico esperado nos próximos meses.

Diversas projeções indicam que o GSF (sigla em inglês que expressa esse déficit) deverá ficar abaixo de 0,8 neste ano. Isso significa que as hidrelétricas vão entregar efetivamente menos de 80% de suas garantias físicas, ou seja, de sua produção estimada.

O presidente da Abrage, Flávio Neiva, informou ao Valor que as geradoras vão procurar o Ministério de Minas e Energia (MME), bem como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para “discutir esse quadro e encontrar possíveis soluções”. O objetivo, segundo ele, é “evitar a repetição do que ocorreu em anos passados”.

A Thymos Energia prevê que as hidrelétricas vão produzir entre 74% a 78% de suas garantias físicas neste ano. Trata-se de um GSF entre 0,74 a 0,78 - ou déficit na geração de 22% a 26%. “É muito ruim para o gerador hidrelétrico, que é obrigado a fazer uma gestão muito conservadora do seu portfólio”, explica o sócio e diretor da consultoria especializada, Alexandre Viana.

Em relatório distribuído a clientes, a Thymos projetou uma produção inferior a 60% da garantia física para o terceiro trimestre, com possibilidade de atingir 52% em setembro, se for confirmado cenário mais crítico.

Quando as hidrelétricas ficam descobertas, elas precisam repor os megawatts não produzidos pelo preço de referência no mercado de curto prazo, o PLD. Com a seca histórica, os especialistas acreditam que o PLD deverá facilmente alcançar seu teto regulatório, estipulado em R$ 583,88 por megawatt-hora. Repor toda a energia não gerada, por esse preço, pode provocar um estrago de bilhões de reais no caixa das geradoras.

O déficit na produção tem castigado donos de hidrelétricas nas estiagens mais severas registradas desde 2014. Alegando razões para além de questões climáticas, os geradores buscaram proteção com pedidos de liminares judiciais que travaram parte das operações do mercado de curto prazo na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Em 2020, o Congresso aprovou a Lei 14.052, que abriu a segunda grande “janela” para equacionar o passivo de geradores do mercado livre, formado por consumidores industriais. Em 2015, eles rejeitaram o primeiro acordo, previsto na Lei 13.203. Na época, houve a adesão somente de hidrelétricas do mercado regulado.

Alguns fatores que acabavam diminuindo a geração hidrelétrica, como o acionamento emergencial de usinas térmicas e os atrasos na entrada em operação de linhas de transmissão, foram “expurgados” do cálculo do GSF.

Tudo isso amenizou o problema. Mas, no entendimento da Abrage, ter resolvido as crises do passado não invalida os dramas do presente. “As mudanças na legislação aplicam-se exclusivamente à solução do passivo relativo ao risco hidrológico na CCEE. Elas não têm efeito sobre o GSF do ano corrente e nem dos anos futuros”, diz Flávio Neiva.

De acordo com representantes do setor, as lições aprendidas com os prejuízos recentes levaram a uma atitude de maior cautela das geradoras. “Hoje está todo mundo mais prudente, com os pés no chão, para mitigar melhor os impactos do déficit hidrológico”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), Charles Lenzi, que representa donos de pequenas centrais hidrelétricas.

Hoje a maioria contrata “hedge” financeiro para diminuir o tamanho do rombo em tempos de crise. Outras geradoras, que antes costumavam comercializar perto de 100% de suas garantias físicas, ficaram mais recalcadas e preferem guardar uma “reserva” para momentos de escassez de chuvas.

“Alguns geradores estão deixando de vender 40% ou até 50% da sua energia para não ficarem expostos ao risco. Se, ainda assim, houver alguma falha na gestão e precisarem comprar energia no mercado de curto prazo, vão pagar um preço muito alto”, acrescenta Viana, da Thymos Energia.

A legislação aprovada no ano passado compensou os donos de usinas oferecendo a ampliação do prazo de concessão pelos fatores não climáticos, como o acionamento de térmicas e os atrasos em transmissão, causaram o déficit hidrológico. Em contrapartida, foi preciso desistir das ações judiciais, que totalizavam R$ 9 bilhões, e renunciar a qualquer direito a isenção ou nova compensação relacionada a esse risco.

A repactuação do risco hidrológico dos últimos anos está sendo concluída em processos analisados pela Aneel e pela CCEE. Com esse mecanismo, as autoridades do setor esperam não terem que enfrentar nova onda de judicialização relacionada ao tema, apesar das incertezas sobre os efeitos da atual crise hídrica.




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