COP27: Decisões ambientais anunciadas por governos reverberam nas empresas

Companhias precisam se adaptar aos objetivos definidos para atender mercado global

Portal JOTA - 14/11/2022
Por Jennifer Ann Thomas

A COP27, conferência do clima da ONU que acontece em Shark el-Sheikh, no Egito, até o dia 18 de novembro, chegou com a expectativa de ser a “COP da implementação”. Em bom português, isso significa que depois de cinco anos de negociações sobre o Acordo de Paris, ciclo que se encerrou em 2021 em Glasgow, na Escócia, é preciso colocar as promessas em prática para descarbonizar a economia global. Enquanto as decisões são tomadas entre representantes de governos em reuniões a portas fechadas, os efeitos depois que os anúncios são tornados públicos têm impactos significativos no setor privado, que precisa se adaptar aos objetivos definidos.

De acordo com o CEO do Pacto Global da ONU no Brasil, Carlo Pereira, os Estados propriamente ditos, representados pelos Executivos nacionais e subnacionais, têm poucas emissões de gases de efeito estufa. “No geral, cerca de 80% das emissões são provenientes de geração de energia. No caso do Brasil, a principal fonte é a mudança no uso do solo, o que inclui o desmatamento. Por conta da origem das emissões, o que se leva de propostas é um compromisso para o setor privado”, explicou.

Na COP26, o Brasil, como parte de um grupo de 103 países, se comprometeu com a redução de 30% das emissões de metano até 2030, gás emitido pelos bovinos por causa da fermentação entérica no processo digestivo dos animais. “Foi uma surpresa o Brasil assumir esse compromisso, mas houve um movimento das empresas de proteína dizendo que elas queriam aquilo. Elas exportam o produto e queriam ter aquele tipo de compromisso. Por mais que seja uma ação do Estado, quem vai executar são as empresas privadas”, disse.

A consequência é o investimento em melhoria da produtividade e em novas tecnologias. Com relação ao metano na agropecuária, há estudos sobre o tipo de pastagem associada à emissão de metano, análises de questões nutricionais, frentes relacionadas à melhoria genética, complementos alimentares que reduzem as emissões, como iogurtes e leites fermentados que interferem na flora intestinal, e o aumento de produtividade para a redução do ciclo de vida bovino.
Ao mesmo tempo em que a conferência do Egito ficou com a fama de “colocar a mão na massa”, para o biólogo Roberto Waack, cofundador da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, a implementação começou logo após o evento em Glasgow. Waack também faz parte do grupo estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, organização composta por mais de 300 representantes do setor privado, setor financeiro, academia e sociedade civil

“A sinalização foi dada em Glasgow e as empresas saíram implementando”, disse ele. “A COP atual, de certa maneira, será uma conversa das empresas líderes nos seus setores sobre como elas estão colocando as ações em prática. Será uma questão de ajustes e de mostrar para outras empresas, um grupo intermediário que ainda não escolheu qual direção quer seguir, que os caminhos estão sendo pavimentados”, afirmou.

No Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de áreas desmatadas até 2030. De acordo com dados da ferramenta Observatório da Restauração, elaborada pela Coalizão, o país restaurou menos de 1% do que foi prometido. Com o desmatamento da Amazônia em alta nos quatro anos do governo Bolsonaro, produtos associados à natureza costumam ser penalizados pelo mercado internacional, que não quer estar associado à derrubada da floresta no Brasil. Segundo Pereira, do Pacto Global, até mesmo produtos distantes da Amazônia ficam com a fama da destruição.

“Um exemplo que sempre dou é o da maçã. Sendo um produto de origem vegetal, um consumidor europeu vai automaticamente acreditar que desmataram a Amazônia para produzir aquela maçã, por mais que uma coisa não tenha nada a ver com a outra. Já ouvimos relatos de produtores que exportam maçãs e têm dificuldade de colocar o produto deles no Reino Unido”, disse.
Para avançar na agenda da restauração florestal, a Re.green, empresa que reúne nomes como João Moreira Salles e Armínio Fraga, tem a meta de restaurar 1 milhão de hectares de floresta em 12 anos. Lançada em abril de 2022, a iniciativa é um reflexo da Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, anunciada na COP26 e assinada por mais de 100 países, incluindo o Brasil, para deter e reverter a perda florestal e a degradação do solo até 2030. “A sinalização foi dada em Glasgow e o setor privado logo se movimentou, da mesma maneira como aconteceu com o acordo do metano. A área da restauração florestal no Brasil avançou muito, inclusive com iniciativas do BNDES e do setor financeiro”, disse Waack.

Mesmo com boas sinalizações partindo das empresas, há questões que só podem ser resolvidas com a presença do governo federal. “O que não melhorou, infelizmente, foi o controle do desmatamento, que depende de comando e controle e do combate à criminalidade. É muito difícil que o setor empresarial consiga atuar em uma zona de conflito tão grande quanto a que ficou na Amazônia”, afirmou Waack.

Para que medidas de descarbonização da economia ganhem escala, é imprescindível ter a regulamentação que as transformem em políticas públicas. Para Marina Esteves, coordenadora de projetos nos temas de meio ambiente do Instituto Ethos, o comprometimento do governo federal é essencial. “É o poder público que traz a regulamentação em escala. Define-se o mote geral e a partir disso todos seguem a mesma regra, seja o setor privado ou governos subnacionais”, disse.

Porém, o governo Bolsonaro evidenciou um dilema: sem o protagonismo do governo federal, algumas áreas do setor privado fizeram as suas próprias regulações. “As metas nacionalmente determinadas associadas ao Acordo de Paris deveriam vir acompanhadas de meios de implementação setoriais. Nos últimos quatro anos, isso não aconteceu”, disse Esteves.

No início deste ano, o PL 191/2020, que autoriza mineração em terras indígenas, chegou a tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados, mas não entrou na pauta por causa da pressão da sociedade, incluindo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que divulgou uma nota se posicionando contra o projeto de lei. No texto, o IBRAM declarou que: “no caso de mineração em terras indígenas, quando regulamentada, é imprescindível o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) dos indígenas. O CLPI é um princípio previsto na OIT 169 e em uma série de outras diretivas internacionais, o qual define que cada povo indígena, considerando sua autonomia e autodeterminação, pode estabelecer seu próprio protocolo de consulta para autorizar as atividades que impactem suas terras e seus modos de vida”.

Para Esteves, o caso ilustra como o setor empresarial engajado pode influenciar políticas públicas e a circulação, ou não, de determinadas pautas. “As grandes empresas perceberam que vão perder espaço de mercado se não houver essa regulamentação”, afirmou.

Ao mesmo tempo, o mercado de carbono, um dos instrumentos para compensar as emissões de gases de efeito estufa, está à espera da regulamentação no Brasil. Enquanto isso, iniciativas voluntárias ganharam corpo e há diversas empresas que comercializam créditos de carbono.

Com a eleição de Lula à Presidência da República, a expectativa é que o Brasil volte a colocar o meio ambiente e a agenda climática entre as prioridades do governo. Enquanto o poder público segue o seu ritmo, as empresas correm contra o tempo. “No Brasil, as oportunidades são tão grandes que o setor privado consegue decodificar os sinais apresentados nas COPs e agir. Vamos mostrar resultados concretos”, disse Waack.




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