Mercado de Carbono regulado no Brasil, lenda ou realidade?

Ao que tudo indica o governo eleito pretende trabalhar o tema, posto que consta no documento “Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil”, programa Lula-Alckmin 2023-2026

CanalEnergia - 15/12/2022
Por Julia Sagaz e Mariana Lima

 
No ano de 2009 foi instituída a PNMC – Política Nacional sobre Mudança do Clima, por meio da Lei nº 12.187/2009, regulamentada pelo Decreto nº 7.390/2010. A política visa, entre outros, à redução das emissões antrópicas de gases de efeito estufa e ao estímulo ao Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões (MBRE). A lei, apesar de implementada e com governança estruturada, não evoluiu muito no que se refere ao mercado de carbono.

Com a realização do Acordo de Paris, em 2015, ampliaram-se as discussões acerca da necessidade de implementação de um mecanismo de precificação de carbono no Brasil. Tanto que em 2016 teve início a Partnership for Market Readiness (PMR), iniciativa do Banco Mundial, sob a coordenação geral do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Fazenda (MF). O PMR durou cerca de quatro anos e analisou os impactos dos diferentes instrumentos de mitigação de mudanças climáticas na economia, sociedade e meio ambiente no Brasil.

Segundo o estudo, diferentemente da tributação do carbono, o sistema de comércio de emissões (SCE) seria o instrumento de precificação mais adequado para o Brasil ao permitir maior fluxo de recursos entre os agentes regulados e com mais liberdade regulatória. Concluiu o PMR que o mais aconselhável para o Brasil seria a implementação gradual de um comércio de emissões, com simplicidade de desenho em uma primeira fase (duração de dois a cinco anos), focada no aprendizado dos participantes e no aprimoramento de dados e informações, inclusive de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV). Todavia, com o advento do novo governo em 2019, e a transformação do Ministério da Fazenda em Ministério da Economia, o projeto foi deixado de lado, sem a publicação do White Paper e sem iniciar a segunda fase, Partnership for Market Implementation (PMI), voltada para implementação do mecanismo.

Já em 2021, com a aproximação da COP 26, iniciaram-se novas discussões quanto à necessidade de implementação de um Sistema de Comércio de Emissões no Brasil − principalmente em razão das discussões sobre o artigo 6º do Acordo de Paris, que apresenta mecanismos de cooperação voluntária entre os países para implementação das NDC. O artigo 6.2 propõe os resultados de mitigação internacionalmente transferidos (Internationally Transferred Mitigation Outcomes − ITMOs) para transações diretas entre os países. Já o artigo 6.4 estabelece mecanismo baseado em sistema de créditos-linha de base, permitindo transações entre entidades públicas e privadas − o que possibilitaria um comércio internacional de redução de emissões, no qual o Brasil, com sua matriz elétrica 80% renovável e milhares de hectares de florestas, poderia ter grande destaque.

Com isso, esquentaram os debates no Congresso Nacional acerca da precificação de carbono no Brasil, com destaque para o PL 528/2021, de iniciativa do Deputado Marcelo Ramos, que visava à regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). O PL tramitou de forma célere, tendo sido aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDEICS) da Câmara já em meados de 2021. Passou, na sequência, para a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), onde foi apenso ao PL 2148/2015 cuja relatoria coube à Deputada Carla Zambelli. O parecer da parlamentar foi apresentado em dezembro de 2021, e decorreu de constante negociação com a Confederação Nacional da Industria (CNI) e vários agentes interessados no assunto, entre eles, o Fórum do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (FMASE), representando o setor.

Julia Sagaz, do FMASE

Todavia, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ministério da Economia (ME) não estavam de acordo com esse segundo parecer da Deputada e, em paralelo aos debates do Congresso Nacional publicaram, em 15 de maio de 2022, o Decreto nº 11075/2022, sem qualquer apoio dos setores envolvidos.

O decreto viria regulamentar a Lei nº 12.187/2009, PNMC, estabelecendo os procedimentos para elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. Pelo normativo compete ao MMA, juntamente com o ME e demais ministérios relacionados, propor os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. Vale registrar que o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, um mecanismo de gestão ambiental e instrumento de operacionalização desses Planos Setoriais de Mitigação, atua como ferramenta para implementar os compromissos de redução de emissões mediante a utilização e transação dos créditos certificados.

O decreto determina ainda que os setores aos quais se refere o parágrafo único do art. 11 da Lei nº 12.187, de 2009 − entre eles, o setor de geração e distribuição de energia elétrica −, poderiam apresentar, no prazo de cento e oitenta dias, prorrogável por igual período, suas proposições para o estabelecimento de curvas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Não há clareza sobre quem seriam os agentes setoriais, ou quem faria sua representação, bem como a competência deles para propor as curvas de descarbonização e para assumir responsabilidades com metas a serem atingidas, etapas e cronograma de execução. Também não se observa no decreto qualquer previsão de como seriam estabelecidos os planos setoriais, sem as referidas curvas de descarbonização propostas pelos agentes.

Importante destacar que, ainda que o decreto tenha conceituado o mecanismo de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV), nada estabelece quanto ao tema e, verdadeiramente, não há como se falar em um Sistema de Comércio de Emissões crível sem a implantação de um sistema eficaz de MRV. Assim, sem a estrutura necessária para a implantação de um verdadeiro Mercado de Carbono, o referido decreto seria mais uma carta de intenções do Ministério do Meio Ambiente segundo a qual o Brasil estaria se movimentando rumo a um futuro mercado de carbono.

Outrossim, esse decreto, apesar de regulamentador, não tem força de lei. E tais acordos, se efetivamente estabelecidos, teriam natureza contratual e efeito interpartes, respeitando o princípio da autonomia da vontade e a liberdade negocial, principalmente de como e quando devem ser cumpridas as obrigações. Nessa perspectiva, há grande probabilidade de que o decreto esteja com seus dias contados, e que sua revogação se dê quando da assunção do novo governo, já que resulta de política ambiental de um governo liberal, seguindo fundamentos econômicos opostos às regras de comando e controle.

Mariana Lima, do FMASE

Por essa mesma razão, com a chegada do novo governo, é possível considerar o insucesso do terceiro parecer do PL nº 2148/2015, da Relatora, Deputada Carla Zambelli, apresentado em 19 de maio de 2022 . Primeiramente, por se tratar de parlamentar bolsonarista, líder do governo na Câmara, que perde esse prestígio e passa a ser oposição quando da posse do governo do PT (Partido dos Trabalhadores). Também porque esse novo parecer é um misto da proposta da indústria e dos desejos do já antigo Ministério da Economia, criando o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), baseado em acordos setoriais. A proposta, apesar de mais bem elaborada que o Decreto nº 11075/2022 por apresentar um Sistema de Comércio de Emissões com uma estrutura de Cap and Trade, também traz alguns pontos de incerteza com relação às entidades responsáveis pelos planos setoriais.

Ainda tramitam pelo Congresso Nacional diversas outras propostas de Mercado de Carbono, a exemplo do PL nº 412/2022, de Relatoria do Senador Tasso Jereissati (PSDB/CE). O texto foi recentemente aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, mais pela vontade do relator que se despede de seu mandato do que pela intenção do governo atual.

Ao que tudo indica o governo eleito pretende trabalhar o tema, posto que consta no documento “Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil”, programa Lula-Alckmin 2023-2026, item 91:

“(…) Nosso compromisso será cumprir, de fato, as metas de redução de emissão de gás carbono que o país assumiu na Conferência de 2015 em Paris e ir além, garantindo a transição energética; a transformação das atividades produtivas para um paradigma de sustentabilidade em suas dimensões ambiental, social e econômica; (..)” .

Corroborando tal comprometimento, encontra-se o posicionamento da Deputada Federal eleita, Marina Silva (REDE/SP), na carta entregue ao então candidato Lula, caso este assumisse o governo. “Implementar o Mercado de Carbono no Brasil, definindo salvaguardas ambientais e exploração dos créditos de carbono gerados pela redução de emissões por desmatamento e degradação. (…)”. A parlamentar, atualmente membro do Grupo de Transição na Equipe de Meio Ambiente, é uma das candidatas para assumir a pasta ambiental no novo Governo Federal.

Isso demonstra que, apesar das diversas correntes de governo e dos protagonistas envolvidos no processo, o tema encontra-se em alta, e já não era sem tempo. Para muitos, já passou da hora de se estabelecer um mercado de carbono regulado no Brasil, atraso que deixa o país em desvantagem em relação às discussões mundiais de um futuro mercado internacional, fruto do artigo 6º do Acordo de Paris.




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